A vida é feita de histórias

5 de fevereiro de 2018 - 08:51, por Léia Cassol

Léia Cassol

Eu gosto de contar histórias porque meu pai me contava muitas histórias quando eu era bem pequena. Lembro que nos dias de chuva, e no sul do Brasil chove muito, ele não ia trabalhar na roça.

Como sempre, acordava cedinho e ia tirar o leite. Porém eu, assim que acordava e ouvia o barulho da chuva no telhado, já sabia: hoje tem história. Imediatamente eu pulava da cama e ia para a porta da casa esperar o meu pai. Não demorava para que eu o avistasse caminhando na minha direção com dois grandes e pesados baldes de leite, um em cada mão.

Quando se aproximava, ele me olhava, sorria e não dizia nada. Meu pai sabia o que eu queria. Então eu, na altura dos meus três anos, olhava para cima e pedia:

– Paiê, tu me conta um causo? – era assim que ele chamava as histórias que contava. Então ele sentava ao lado do fogão à lenha para contar as histórias de boca. Lá em casa não haviam livros! Enquanto ele narrava histórias de gente, de bicho, de assombração, de princesas e castelos, eu me aninhava no colo, e além de ouvir eu sentia o calor, o cheiro, a emoção e o carinho com que ele fazia aquilo. Também via minha mãe sorrindo, às vezes ela até corrigia a história ou cantava alguma cantiga enquanto mexia nas panelas. Depois ia para a máquina de costura e ficava ouvindo. Talvez estivesse costurando algum sonho antigo  com linha e fita de outra cor.

Nessa época eu era filha única e passava o tempo todo com minha mãe. Todos os fins de tarde era ela quem ia tirar o leite. Se o tempo estivesse bom eu ia junto, se estivesse chovendo ou frio eu ficava olhando da pequena varanda. Não gostava de ficar ali. Nunca gostei de ficar sozinha. Quando ia com ela, eu ficava perto, debaixo de uma árvore, num balanço de corda que minha mãe havia feito pra mim. Assim que eu sentava ela me empurrava beeeeem alto e ia tirar o leite. Ah, cada vez que o balanço subia era como se eu voasse. Lá no alto, em pleno voo eu me transformava em personagens, virava história, ganhava o mundo. Mas havia um grave problema: eu não sabia me balançar sozinha. Tão logo o balanço parava eu gritava, o mundo acabava e eu gritava com toda força:

– Mããããe, me empurra!

Ela respondia acenando com mão:

– Espera guria!

Nem sempre ela me atendia e era muito chato ficar ali parada. Também nunca gostei de esperar. Deve ser por isso que logo aprendi a me balançar sozinha!

Quando eu fiz seis anos nos mudamos para a cidade, afinal eu precisava ir à escola.  Meu pai construiu uma casa linda e grande pra gente morar. Tinha um quintal enorme onde ele e eu plantamos várias árvores frutíferas e algumas de sombra, entre elas um pé de Flamboyant, que aqui é conhecido por Maravilha. Essa árvore faz parte de várias histórias que eu escrevi.

Nossa casa ficava a dois quarteirões da escola e durante a primeira semana, todas as tardes, minha mãe foi me levar e depois buscar. Na segunda semana ela me acompanhou até à esquina e ficou me “cuidando” até que eu entrasse no portão do colégio. À tardinha nosso combinado era que ela me esperasse na mesma esquina. Lembro que meu coração ficava acelerado e eu morria de medo que ela não viesse e que eu não conseguisse mais voltar para casa. Hoje morro de pena quando encontro um pequeno chorando na escola. É impossível descrever o medo gerado pela ausência daqueles que sempre estiveram por perto. É tão aterrorizante que, até hoje, quando falo sobre isso, meu coração acelera. Mas, na terceira semana, tive que driblar o medo e ir sozinha à escola, afinal como dizia minha mãe:

– Tu já é uma mocinha! – dizia ela enquanto fazia um rabo de cavalo com meus cabelos.

Eu suspirava e guardava a aflição num canto escuro do meu peito. Faço isso até hoje.

Agora, uma coisa é certa, quando se é criança as coisas parecem ser bem maiores do que realmente são e os dois simples quarteirões que separavam minha casa da escola pareciam não ter fim. Na minha rua moravam outras crianças que estudavam lá e era comum um esperar que o outro passasse para “pegar carona”, afinal ninguém gostava de passar sozinho pelo casarão antigo e abandonado que ficava quase na esquina. Era uma casa estranha, com duas janelas que mais pareciam olhos e que ficavam olhando para as crianças que passavam ali. Nenhuma criança ousava passar na calçada em frente à “casa do porão escuro” ***, como dizíamos.

Quando chegávamos na escola, colocávamos a “pasta” com o material no chão, marcando um lugar na fila e íamos brincar de roda ou pular elástico. Depois na sala de aula as novidades, as letras e os números. Eu amava cada segundo que passava lá. Foi lá que, no primeiro dia de aula, logo depois do recreio, conheci o lugar onde as histórias dormem.  Assim que entramos na sala a professora disse:

– Agora, eu vou levar vocês para conhecer um lugar muuuuuito especial que tem aqui na escola. É o lugar onde as histórias dormem!

Imaginem o que passou pela minha cabeça. Então era ali, na escola, que o povo das histórias morava! Era mesmo: na biblioteca.

Ao entrar pela primeira vez na biblioteca meu coração disparou. Como disse, lá em casa não haviam livros e eu só tinha visto livros na casa da minha prima. Ah, sim ela tinha dois! Esse fato a tornava muito importante para as crianças da família e ela sabia disso. Então não sei se sabiamente ou perversamente, a prima usava sua condição de proprietária do tesouro para conseguir favores como, pegar um copo d’água, fazer um pão com manteiga, juntar farelos e outras coisas. Em troca ela nos deixava tocar a capa do livro. Abrir e folhear? Nunca. Só ela podia abrir, mexer e ler. Pelo menos lia em voz alta e nos mantinha hipnotizados por um bom tempo.

Então, quando vi todos aqueles livros juntos na biblioteca, fiquei tão encantada que não conseguia mexer em nada. Sentia uma mistura de desejo e receio de realmente acordar quem estava dormindo nas estantes. Não sei se a professora tinha noção do que aquilo representava para mim, certamente não, mas foi ela quem me alcançou o primeiro livro. Um plástico transparente protegia a capa amarela onde um cachorro e uma bola.

– Esse é pra ti. – Sorriu a professora.

Eu agarrei o livro e sentei numa almofada marrom que estava perto de uma estante. Um segundo depois a bola rolou e o cãozinho já estava abanando o rabo pra mim.

A partir de então me tornei a maior acordadora de histórias. Meu pai passou a me presentear com livros e sempre que passava um vendedor em nossa casa minha biblioteca aumentava. Isso refletiu na minha aprendizagem escolar e na forma como descobri e interagi com o mundo, incluindo minha área de trabalho, que sempre foi no meio editorial desde o primeiro emprego aos dezesseis anos, primeiro vendendo livros nas escolas, depois contando histórias e desenvolvendo projetos de literatura e, finalmente, por contar muitas histórias de outros escritores, comecei a criar as minhas.

Atualmente tenho 65 livros publicados, todos dedicados ao público infantojuvenil, com temas e personagens bem diversos. A cultura popular e a história embasam meu conhecimento, por isso estou sempre pesquisando e conhecendo lugares diferentes, conhecendo pessoas, o que fazem e a forma como vivem. Tudo isso possibilita a criação de novos livros com roteiros, personagens e cenários bem brasileiros.

Mas o que realmente influencia o meu jeito de escrever, de contar uma história, de me aproximar das crianças, de acolher as famílias quando querem uma foto ou um autógrafo é resultado do que eu vivi enquanto ouvia as histórias do meu pai. É a admiração dele pela cultura simples, a forma alegre e carinhosa com que narrou cada palavra que me deixou assim e faz com que a paixão pelo meu trabalho cresça diariamente.

Contar uma história, seja da oralidade ou do livro, é mais do que mostrar um mundo imaginário. É oferecer tempo e afeto ao ouvinte. É transmitir na sonoridade invisível das palavras a alegria de estar junto e de viver aquele momento, simples e maravilhoso tanto para quem está ouvindo quanto para quem está contando, fortalecendo os laços e reorganizando as emoções.

Contar histórias é o meu trabalho e tenho várias formas de fazer isso. Escrever histórias que divertem e emocionam é uma delas!

Um abraço e até a próxima história!

Léia Cassol

Xingó Parque Hotel & Resort

O Xingó Parque Hotel & Resort está situado perto da usina hidrelétrica Xingó e dos famosos cânions do Velho Chico, a 77 km do Aeroporto Paulo Afonso. Tudo isso, às margens do Rio São Francisco no município sergipano de Canindé. 

 

#Envie também a sua foto para o espaço. redacao@lagartonoticias.com.br

Contato

Alexandre Fontes

Diretor Comercial
79 99810-2533

Marcos Peris

Jornalista – DRT 1834
79 99803-2070