Ione Nascimento: “É difícil não ser reconhecido na sua própria cidade”

9 de abril de 2018 - 11:07, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

Nesta edição, Maria Ione do Nascimento, de 65 anos, é a entrevistada da semana do Portal Lagarto Notícias. Com pouco mais de 10 anos à frente da Associação Folclórica de Lagarto, ela falou sobres os desafios e conquistas da instituição para a cultura local.

Maria Ione, que abriu a sua casa para todos os grupos folclóricos de Lagarto, também lembrou da necessidade da valorização daquilo que é nosso, bem como expressou humildemente a sua total abnegação pela preservação daquilo que identifica os lagartenses, que é a sua cultura popular.

Ela ainda acrescentou que a classe política lagartense tem prejudicado o fomento a cultura local, que reduziu significativamente nos últimos 138 anos. Entretanto, informou que mais investimentos em eventos culturais, principalmente,  voltados a juventude poderão contribuir para a valorização e fortalecimento da identidade da gente lagartense.

Entrevistada da Semana / Série especial Lagarto 138 anos

Entrevistada da Semana / Série especial Lagarto 138 anos

Confira a Entrevista da Semana na íntegra:

Portal Lagarto Notícias: Quem é a mulher por trás do título de presidente da Associação Folclórica de Lagarto?

Maria Ione: Eu sou uma pessoa que penso muito no futuro, e que amo a vida por demais. Por isso que estou à frente da Associação Folclórica de Lagarto, porque se não já teria desistido.

Eu acredito num amanhã melhor, principalmente na cultura, e como estou à frente da cultura, posso dizer que me renovei, pois sempre fui uma pessoa determinada a conquistar os objetivos, mas às vezes a gente se desvia do caminho. Tanto é que casei e fui viver outra vida, mas sempre com aquele desejo de, por exemplo, conhecer o Brasil, mas nunca tive essa oportunidade. Mas com o desejo e as nossas preces a Deus, sempre aparece algo para nos ajudar e foi o que aconteceu.

PLN: Como o folclore entrou em sua vida?

MI: Quando me divorciei, fui convidada para participar do folclore e aceitei. Como eu já gostava e desde a infância costumava acompanhar os meus pais nos eventos culturais, eu resolvi seguir esse caminho e com o passar dos dias, fui me apaixonando cada vez mais. Ai passei três anos como brincante e depois sucedi o finado Gerson na associação, através da escolha do pessoal, onde estou até hoje.

Além disso, eu participo de todos os grupos folclóricos, exceto nos Parafusos, porque lá somente dança homem.

PLN: Que avaliação a senhora faz da evolução ou regressão do folclore lagartense nesses últimos 138 anos?

MI: Lagarto perdeu muito e só não perdeu os Parafusos e outros grupos, porque eu vou atrás dos objetivos. Porque quando me tornei presidente, havia um grupo que já estava desativado, que era o Batalhão de São João, da Pururuca, que era um grupo secular que estava parado há mais de 50 anos. Dele só continuava os tocadores, mas o grupo em si já não existia mais. Mas eu achei tão bonita a sua história, que resolvi organizar a associação e reativar o Batalhão de São João, que está vivo até hoje.

PLN: A que se deve essa perda de grupos folclóricos de Lagarto?

MI: A falta de apoio é um dos fatores essenciais para que os grupos se acabem, porque essas manifestações têm de serem passadas de geração para geração, mas a nova geração não se interessa muito por isso, porque já tem a internet e o que eles buscam sobre os grupos, até que encontram nela, mas é insuficiente. Tem que ser na real, até porque a pessoa não vai gostar de algo sem ver.

Então as pessoas mais velhas vão morrendo, os filhos vão seguindo outros caminhos não dando muita importância, também pela falta de apoio e do reconhecimento, porque é muito importante a valorização da cultura.

PLN: Então podemos dizer que a falta de valorização é o principal desafio da cultura lagartense?

MI: Os desafios são muitos, principalmente, para nós da associação, porque não temos sede própria, então cedi a minha casa para que os grupos não se percam e para que a história não morra. Enquanto vida a gente tiver, manteremos viva a nossa história para que ela não se acabe, mas os desafios são muitos, entre eles estão à falta de sede, a dificuldade de arranjar transportes para irmos aos lugares que nos convidam e de tudo.

Então essas coisas dificultam muito a nossa vida e o nosso propósito de dar continuidade ao nosso trabalho de incentivo à cultura local, mas a gente não vai desistir por causa disso.

PLN: Como a Associação Folclórica de Lagarto está lidando com esses problemas?

MI: Quando a gente faz as coisas por amor, sempre aparece uma luz no fim do túnel. Então a gente vai atrás dessa luz, com muita dificuldade, mas consegue.

PLN: Em 13 anos de presidência, quais avanços a senhora elencaria como sendo os mais relevantes para o folclore lagartense?

MI: Nesses 13 anos, uma das coisas de maior orgulho para nós é manter vivo os Parafuso, porque ele é o único do Brasil e também porque nos anos que me antecederam, ele se perdeu na história. Ficou muito tempo desativado, depois chegava alguém e ativava, e durante a nossa gestão, graças a Deus, não houve interrupção.

Então eu dou preferência ao Grupo dos Parafusos, porque é uma história nossa, uma cultura nossa, porque é o único do país. Então eu vejo esse grupo como o mais importante para a gente lagartense. Perdê-lo seria a nossa morte cultural, apesar de muita gente não reconhecer isso. Tanto é que nos sentimos inferior quando vemos outros grupos folclóricos de outros estados sendo valorizados, mas quando vemos a gente de fora, que conhece a história do grupo, mesmo sem ser da sua cidade de origem, a gente se sente mais motivado para continuar.

PLN: Os Parafusos estão representados no Largo da Gente Sergipana. Por isso, a senhora considera que monumentos como aquele são suficientes para fortalecer a nossa identidade cultural?

MI: Esse reconhecimento, praticamente, veio na hora certa, porque enquanto alguém tenta apagar a história dos grupos, chega alguém que as levantam e os monumentos ali colocados simbolizam um avanço muito grande para a cultura sergipana, principalmente a nossa. E isso faz com que a gente se sinta orgulhoso em fazer parte dessa história e de estar lá, porque não nos conhecia, agora vai passar a conhecer.

Para nós, o Largo da Gente Sergipana foi um divisor de águas. Foi aquela luz lá no fim do túnel.

PLN: Nesse mês Lagarto completa 138 anos. Diante disso, o que falta para o fortalecimento da nossa identidade cultural?

MI: A gente sempre quer mais e por sermos da terra, sempre queremos o melhor para nossa cidade. Esses encontros culturais dão certo levante principalmente para os jovens, que em sua maioria só conhecem os grupos de ‘ouvi falar’. Então é um avanço muito grande, mas a gente sempre quer mais, que aconteça mais eventos culturais, que está meio apagado.

A comemoração do aniversário de Lagarto já é um ponto de partida, pois tudo começa por ali, e seria bom se tivessem outros eventos para que as pessoas se interessassem mais. Hoje estamos recebendo duas pessoas de fora, que querem conhecer a nossa cultura, porque nós temos vários eventos no estado e Lagarto está meio apagado. Com essas pequenas aberturas, que deveriam ser maiores, já é um ponto de partida. A gente só tem o aniversário de Lagarto, quando deveríamos ter outros eventos, por exemplo, na Semana do Folclore, em outubro e novembro. Isso serviria para manter viva a nossa identidade, a qual não seremos nada sem ela.

PLN: No âmbito da culinária lagartense, que avaliação a senhora faz desses últimos anos?

MI: Acho que a gente perdeu muito e perdemos, porque as pessoas não se interessam e porque não temos a quem mostrar. No Festival da Mandioca, por exemplo, teremos várias coisas e as pessoas vão começar a querer conhecer, porque muitos lagartenses não conhecem nem a cultura e nem a culinária.

Um dia desses me perguntaram se Os Parafusos ainda existiam, Os Parafusos não pararam nesses últimos anos. Mas perguntaram isso, porque nós apresentamos mais fora daqui, do que aqui na própria cidade. A gente não liga muito para esse tipo de pergunta, justamente porque raramente a gente se apresenta na nossa cidade. Isso nos dar uma certa desestabilidade, porque é difícil não ser reconhecido na sua própria cidade, onde tudo nasceu.

PLN: Qual o momento mais polêmico da sua administração à frente da AFL?

MI: Foi num Festival Internacional no Rio Grande do Sul, porque eles exigiram 30 minutos de dança,  o que é puxado para os meninos girarem por 30 minutos, então nós acrescentamos as escravas para contar a história e eles aproveitariam os cinco minutos para descansarem e respirarem. Ficou bem legal, mas teve alguns que não gostaram, porque toda mudança é sempre muito difícil de aceitar.

PLN: E qual o momento mais marcante?

MI: Foram muitos momentos, porque me emociono em cada nova apresentação devido à alegria e satisfação das pessoas, porque eles sabem as músicas e cantam. Então, me emociono com essas coisas que ocorrem de bom.

Mas o que mais me marcou foi quando recebemos do governador Jackson Barreto o reconhecimento por estarmos dando continuidade ao Grupo Parafusos em Lagarto. Isso para mim foi muito importante.

PLN: Como a classe política lagartense tem contribuído ou não para a cultura local?

MI: A gente espera que os políticos se conscientizem que a cultura popular é de todos, independentemente de política. Eu mesmo nunca segui linha política, mas a gente vai dar mais apoio a quem nos apoia. Mas a política atrapalha demais, pois a gente quer seguir uma linha de fortalecimento de ambas às partes e eles atrapalham. Então a gente procura não se envolver, porque nos grupos há apoiadores de todos os lados.

PLN: Que mensagem a presidente da AFL deixa para o povo de Lagarto?

MI: Que as pessoas procurem a dar valor o que é nosso, porque a cidade de Lagarto é rica culturalmente falando, apesar de muitos grupos terem se perdido. Mas vamos valorizar e apoiar os grupos que ainda existem, para que assim possamos manter a nossa identidade viva. É muito triste perdermos a nossa cultura, que tem uma história bonita.

Por isso, valorizem o nosso trabalho, a gente precisa de parcerias, a gente precisa se manter para que assim possamos continuar. Temos dificuldades com transporte e com sede, por isso cedi a minha casa e fiz isso por amor. A gente só faz as coisas por amor, senão já teria desistido, porque várias vezes eu já tentei desisti, mas o que vou fazer? Jogar tudo fora? A gente não desiste e a vida que segue. A cultura é linda e prazerosa.

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