João Costa: “O ideal seria que relatos como o meu não precisassem ganhar a mídia para fazer sucesso”

12 de agosto de 2018 - 16:00, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

Nesta edição do quadro Entrevista da Semana, o Portal Lagarto Notícias entrevistou o formando em medicina pela UFS Lagarto, João Santos Costa. Natural do povoado Sítio Alto, comunidade quilombola situada na zona rural de Simão Dias, ele é o filho do meio de 11 irmãos de pais lavradores.

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João compõe a primeira turma de Medicina do campus Lagarto da UFS

Com um jeito tímido, risonho e muito sincero, João falou da sua batalha rumo ao titulo de médico, de como a medicina entrou em sua vida, e das dificuldades enfrentadas pela sua comunidade. Além disso, ele, que quer um país mais justo, defendeu a manutenção de políticas sociais e demonstrou preocupação com a crescente nos discursos de ódio Brasil afora.

Confira a Entrevista da Semana na íntegra:

Portal Lagarto Notícias: O que lhe motivou a escrever aquele depoimento? Foi um desabafo ou um agradecimento?

João Costa: Foi uma mistura de desabafo com agradecimento também, porque faltavam 100 dias para a formatura. Eu quis mostrar para as pessoas que, apesar das dificuldades, é possível vencer na vida, através dos estudos. Então também foi um desabafo e uma forma de agradecer aos meus pais que se esforçaram para que eu pudesse concluir o meu curso.

PLN: Houve algo nessa trajetória que lhe incomodou muito?

JC: O que me incomoda é a falta de oportunidade, porque sabemos que nem todos terão as oportunidades que tive. Eu tive as cotas, algumas bolsas na UFS e pessoas que me ajudaram. Mas nem todo mundo consegue chegar até aqui, pois isso é uma exceção. O ideal seria que relatos como o meu não precisassem ganhar a mídia para fazer sucesso, pois isso deveria ser algo normal. O que me incomoda é isso.

PLN: Mas isso também se deve ao que dizem muito dentro dos campi, que a universidade começou a ser pintada de gente.

JC: Exatamente. Antes as universidades eram brancas, hoje estão mais coloridas de gente. Isso é devido às novas políticas do governo que, apesar de ser uma obrigação da parte dele, tem surtido bons resultados. Que bom elas estão sendo implantadas e que elas perdurem por outros governos, porque pagamos impostos e merecemos serviços de qualidade.

Por isso, espero que essas políticas de interiorização continuem permitindo o ingresso de outras e diversas pessoas dentro da universidade.

PLN: Esse seria o Brasil que você quer para o futuro?

JC: Eu quero um país mais igualdade e equidade, para que as pessoas possam batalhar pelos seus sonhos de acordo com a sua condição. Acho que essa adaptação às realidades de cada um era o que o nosso país deveria ter.

PLN: Estamos em ano de eleições e vemos uma crescente nos discursos conservadores. Por isso, você teme que políticas sociais como a interiorização das universidades, as cotas e as bolsas de estudo sejam encerradas?

JC: Acho que todos têm a sua opinião e fala o que acha. Mas nem tudo o que se fala é verdade né? Alguns candidatos apresentam discursos de ódio em relação a algumas raças e algumas políticas, eu acho que isso não leva ninguém a lugar nenhum. Em relação às políticas, acredito que elas devem ser mantidas e, se for o caso, serem readequadas para a realidade atual.

Eu passei pelas cotas, mas acho que passaria sem elas também. Mas isso é de cada um. Porém, assim como eu, outras pessoas também podem passar, basta se esforçar e estudar. Mas as políticas sociais devem ser mantidas sim.

PLN: Você sempre quis ser médico?

JC: Eu passei muita dificuldade quando criança, e sabia que tinha que estudar se quisesse mudar de vida. Era estudar ou ficar trabalhando na roça, não desmerecendo o trabalho do campo, pois fui criado assim e sou grato aos meus pais. Mas é um trabalho desgastante e sofrido, e eu queria ajuda-los de outra forma. Foi quando me apresentaram o caminho dos estudos para que eu melhorasse de vida e também a deles.

Por isso, quando criança, eu sabia que tinha que cursar o ensino médio, coisa que era uma vitória na minha comunidade, e ingressar no ensino superior. Mas, em relação à medicina, eu só fui ter um norte mais apurado no ensino médio, porque os professores me ajudaram muito. Me estimularam. Fiz o vestibular seriado nos dois primeiros anos, me sai bem, e ai corri atrás para conquistar uma vaga no campus Lagarto. Mas, mesmo assim, eu tinha aquela dúvida: será que um negro que veio da roça consegue? Nisso, os amigos, familiares e professores me incentivaram, apesar daqueles que tentava me desmotivar. O apoio nunca é 100%.

PLN: Em seu depoimento, você fala que não sabia como iria para a universidade no outro dia. Por isso, em meio a tantas dificuldades enfrentadas durante o curso, você nunca pensou em desistir?

JC: Antes de vim para Lagarto, eu tentei me preparar ao máximo: procurei saber sobre a existência de república, os preços etc. Já estava bem esclarecido em relação a isso. Mas é bom divulgar que a UFS dá um apoio muito importante para quem quer se manter na academia, através de bolsas e vagas remanescentes. Mas não vou negar que já pensei em desistir, foi uma crise momentânea que passou logo.

PLN: Como é que o Dr. João Costa, que veio de uma comunidade quilombola, que já sofre com problemas de demarcação de terras, por exemplo, pretende retribuir a eles profissionalmente?

JC: Eu venho de uma comunidade pobre e que só foi reconhecida enquanto quilombola recentemente. Isso foi há uns três anos, pela Fundação Palmares. Teve toda uma burocracia, pois há os ônus e os bônus de ser uma comunidade quilombola. Mas o reconhecimento foi muito importante, porque trará muitos benefícios. Tanto é que, há um ano, criaram um posto de saúde, fazendo que não precisássemos mais ter que ir para outras localidades atrás de uma unidade de saúde que só tinha médico uma vez no mês.

E eu pretendo, assim que me formar e pegar o CRM, se possível, trabalhar lá nem que seja um dia na semana ou com mais frequência. Quero que, sempre que possível, trabalhar lá no povoado, ou em Simão Dias ou em Lagarto, se for o caso, porque é tudo perto. Estou me formando médico e a minha função é tirar ou amenizar o sofrimento das pessoas.

PLN: E quanto à especialização médica?

JC: Inicialmente, quero continuar como Clínico Geral, ou seja, médico generalista. Quero trabalhar, sanar algumas pendências financeiras, tentar ajudar, na medida do possível, minha família e depois, daqui a um ou dois anos, tentar uma residência. Nesse período, quero estudar e trabalhar. E tenho interesse fazer especialização em cardiologia, ou gastrenterologia ou pediatria. Mas, embora eu tenha uma queda por gastro, estou mais para cardiologia ou pediatria. É uma dessas três.

PLN: Como descreveria o seu retorno ao povoado Sítio Alto para entregar o convite de formatura aos seus pais?

JC: Meus pais ficaram muito emocionados, porque eles viam o meu esforço. Tinha vezes que eu não tinha material, ia para a escola sem comer, não tinha o tênis do uniforme, mas mesmo assim eu ia. Além disso, eu tive que sair de casa por causa do curso. Mas retornar para lá com o convite foi meio que uma coroação por todo o esforço que teve, para se manter em Lagarto. Mesmo com o auxílio da UFS, foi difícil se manter. Mas para eles foi o fim de um ciclo bem desgastante feito uma coroação.

Naquele momento ocorreu um flashback, mas o que me marcou mesmo foi ver o sorriso deles diante da situação. A palavra que definiu o momento foi vitória. Agora meu pai fica brincando com os amigos dizendo: “Vou ter um filho doutor”. Acho que ele ainda não entendeu a dimensão da coisa.

PLN: É sabido que devido à correria dos hospitais públicos, principalmente, muitos médicos não atendem os pacientes com o devido zelo. Por isso, que tipo de médico você pretende ser?

JC: O médico deve ter empatia e isso inclui o respeito pelo olhar, pelo ato de examinar nem que seja a queixa do paciente. Atualmente, o sistema público é sucateado e o médico atende dezenas de pessoas em um dia e o tempo meio que não dá. Mas ao menos, se não der para atender certo, que olhe para o paciente certinho, examinando a queixa e não somente prescrever e tchau. Acho que não deve ser assim, até porque o slogan do campus é humanização, e com o método PBL, os alunos já têm contato com a população desde cedo.

PLN: Como você descreveria não o médico, mas o homem João Costa?

JC: Falar de si é difícil, mas me descreveria como uma pessoa que procurou colher os bons frutos em todas as oportunidades que teve. Também sou muito risonho e um pouco tímido, mas tem horas que sou muito acelerado. Sou tranquilo, mas tenho irmãos mais agitados que eu.

PLN: Você tem medo de sofrer algum tipo de preconceito racial no mercado de trabalho? Como pretende lidar com eles eventualmente?

JC: O Brasil é um país racista, embora a maioria da população seja formada por negros e pardos e toda essa miscigenação. Já sofri racismo, mas não aquele descarado: “Ah, seu preto saia daqui!”, não. Mas a gente percebe olhares diferentes na rua, pessoas que quando te vê na rua mudam de lado, por achar que todo negro é criminoso. Por isso, acho que vou sofrer muito racismo no mercado de trabalho, mas espero lidar adequadamente com isso. Tentar não me estressar com isso.

PLN: Parece que a ficha ainda não caiu para você, depois de toda essa repercussão. Mas você sabe que se tornou um exemplo, principalmente, para milhares de vestibulandos. Por isso, que mensagem você deixaria para eles?

JC: Tudo foi muito rápido, porque eu não publiquei texto para aparecer. Só queria agradecer e desabafar. Mas quero dizer aos vestibulandos que os obstáculos servem para você subir neles e tomar impulso. Isso serve para todos os vestibulandos de todas as áreas. Por isso, se você tem saúde e tem um objetivo, corra atrás! Se você não fizer, quem vai fazer por você? Porque a minha vaga não caiu em minha mão, eu tive que batalhar. Então mantenha o foco e corra atrás!

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