DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (TIA TECA)

16 de maio de 2020 - 10:30, por Claudefranklin Monteiro

Saci Pererê, Dona Benta, Anastácia, Pedrinho, Narizinho, Emília e Visconde Sabugosa. Por anos e, de alguma forma até hoje, esses personagens habitaram em meu imaginário. É bem verdade que os conheci na TV, antes de me reencontrar com eles nos livros, na obra de Monteiro Lobato. Não perdia um único episódio da série da TV Globo, que foi ao ar entre 1977 e 1986. Ao todo, foram 69 episódios, distribuídos em mais de mil e quinhentos capítulos.

Ao longo dos anos, o horário de exibição era alternado, mas fui me adequando como podia. Quando era à tarde, às 17h30, dava tempo de assistir, mesmo quando passei a estudar, pois as aulas terminavam antes e corria pra casa. Quando passou a começar mais cedo, às 16h45, normalmente tinha reprise no dia seguinte, pela manhã. Somente por um único ano, foi ao meio dia, mas não funcionou, acredito que a audiência tenha caído. Em todas as ocasiões, mamãe preparava pra mim vitamina de banana com Nescau e torrada.

Era capaz de contar em detalhes para qualquer adulto o que via na TV. A série era muito bem produzida, com bons efeitos especiais para a época, atiçando ainda mais a nossa curiosidade típica de criança. Entre meus episódios preferidos, destaco alguns, em especial. Os Piratas do Capitão Gancho (1978), destaque para a trilha sonora de Dori Caymmi e Wilson Rocha. Era de mexer no coração da gente, sobretudo a introdução com um tambor e uma trombeta. Também da temporada de 1978, O Minotauro, de autoria de Benedito Ruy Barbosa. Que passeio pela mitologia grega! A cena do labirinto, com Pedrinho, é inesquecível, de tirar o fôlego. O Burro Falante (1983), de Marcos Rey, chamou minha atenção pelo enredo, quando um Senhor arrancava todos as folhinhas do dia 31 de dezembro para que não morresse com a chegada do ano novo. Outro episódio que me marcou muito foi O Visconde de Sabugosa (1984), de Marcos Rey. Já, já, eu digo porquê.

Muitas das aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, ao embalo da música tema de Gilberto Gil (1977), eu vivi no sítio da minha tia paterna, Tia Teca. Ali, por exemplo, levei para casa um sabuco de milho (que eu conhecia por capuco), pedi a mamãe para fazer uma pequena roupa masculina, improvisei uma cartola de cartolina, tudo quase igual como na série. Por alguns dias, julguei que aquele sabugo virasse o Visconde de Sabugosa. Para minha frustação, deu bicho em minha arte pueril e tive que jogá-la fora, chorando, como se estivesse de luto.

Tia Teca era uma pessoa extraordinária! Um misto de Dona Benta e Anastásia. Mulher guerreira e de bem com a vida. Não tinha tempo ruim para ela. Modéstia à parte, acredito que eu era o seu xodó, dos muitos sobrinhos que tinha. Digo isso não somente pelo carinho e cuidado que tinha para comigo, mas pelo ciúme de Tio Rosalvo (seu esposo), que quando “tomava uma” vinha me dizer impropérios e me amedrontar (risos). Como eu me sentia seguro em seu colo, em seu abraço.

O Sítio de Tia Teca ficava nas proximidades do Bairro Cidade Nova, à época uma região conhecida por Telha. No final de um corredor que ia se estreitando. Era uma casa enorme, de vários cômodos. Não tinha energia na época e à noite ficávamos na varanda à luz do candeeiro (ou do lampião a gás) ao som dos grilos e da cantoria dos sapos num brejo que tinha ao fundo. Morria de medo dos sapos, pois eram enormes, bem nutridos e vinham para a calçada da varanda à caça dos besouros que ficavam em volta da luz.

Por falar em sapo, uma parenta dele, a gia, vez ou outra fazia parte do cardápio do sítio. Outro dia, comi uma, bem cozida, enganado por carne de franco. Adorei e só depois me revelaram a peripécia. Ainda assim, não me aventurei mais a experimentar exótica iguaria.

No Sítio de Tia Teca tinham vários atrativos. Purrões enormes para reservar água, potes e moringas com uma água pra beber sem igual. O fogão de lenha me entretinha tanto quanto a TV. A cisterna, que eu morria de medo, mas ao mesmo tempo me atraía (eu ficava nas bordas olhando o fundo e vez outra, jogava uma pedrinha para ver o efeito causado). Pés de frutas os mais variadaos, com deliciosas jaboticabas, jacas e, principalmente, ciriguelas (lindas e robustas, cor de laranja ou avermelhadas, de encher os olhos e a boca).

Mas nenhum atrativo era tão disputado quanto o balanço, improvisado com cordas e um pedaço de pau, sustentado numa galha grossa de pé de fruta. Ficava horas ali, tangido pra cima e pra baixo, geralmente com a ajuda de Lulu (Cristiane), uma espécie de Emília e Narizinho. Era a caçula de Tica Teca e de quem tínhamos mais chamego de todas elas (Margarida, Analice, Cristina e Neném, falecida recentemente). Talvez pela proximidade da faixa etária. O certo que Lulu era pau para toda obra. Tinha uma habilidade de subir em árvores que eu nunca vi na vida. Além das meninas, tinha o mais velho de Tia Teca, que morou muitos anos em São Paulo, que era conhecido por Loro (também falecido).

Entre os brinquedos que eu improvisava, um era especial e não cansava de fazê-lo. O boi com batata ou até com barro batido gravetos. Eu amava mexer na terra, misturar com água e fazer barro. Construía fazendas e castelos. Meu pai, numa das idas à feira livre de Lagarto, me presenteou com um lindo boi de barro (em cerâmica cozida), quem guardo até hoje, fazendo parte da decoração da biblioteca. Gostava tanto dele que não ousava levá-lo para o Sítio de Tia Teca para não quebrar.

Tia Teca era festeira, amava dançar. Padinho Cláudio, nas noites de festa junina, costumava levar sua vitrola Philips, que se podia usar na energia ou com pilhas grandes. Lembro de uma noite, em especial, que ele levou um disco de Zenilton, que tinha canções de duplo sentido, que apesar da minha inocência, tirava risos de mim, sobretudo uma que tinha um refrão que diz:  “Abre as pedras, meu amor / É aí que o peixe se esconde quando vê o pescador” (Rio das Pedras, faixa 2, lado A, do Álbum O Cachimbo da Mulher, 1981). Eram noites movimentadas, com direito a enormes fogueiras e fogos. Comida do bom e do melhor e bebida de todo tipo. E como tudo no Sítio de Tia Teca, uma fartura de alegria!

Xingó Parque Hotel & Resort

O Xingó Parque Hotel & Resort está situado perto da usina hidrelétrica Xingó e dos famosos cânions do Velho Chico, a 77 km do Aeroporto Paulo Afonso. Tudo isso, às margens do Rio São Francisco no município sergipano de Canindé. 

 

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