DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (SONHOS)

25 de maio de 2020 - 10:38, por Claudefranklin Monteiro

Poucas disciplinas que cursei na Licenciatura em História pela UFS, fora do quadro específico de matérias e de conteúdo, chamaram tanto a minha atenção quanto Introdução à Psicologia e Psicologia da Aprendizagem. Foi nessa ocasião que, além de conhecer a obra de Sigmund Freud, me identifiquei com algumas assertivas de Carl Jung, de modo particular com a ideia de que os olhos são o espelho da alma e com a simbologia dos sonhos.

            Os sonhos sempre exerceram sobre mim um fascínio. É fato que precisei trabalhar com isso, sob pena de não viver adequadamente em razão de ficar preso a impressões, ao medo do desconhecido e até mesmo de travar por ficar impressionado com algumas experiências que tive ao longo da vida, algumas das quais buscarei registrar aqui. Dado que os exemplos que escolhi se confundem com a própria realidade, em situações hoje que fazem parte do conjunto das minhas lembranças, notadamente entre as mais marcantes.

            Antes, permitam-me fazer menção a duas canções da música popular brasileira, que além de irem ao encontro do assunto dessa crônica, de alguma forma guiam o processo das minhas lembranças, revisitam a minha cabeça, minha emoção e meu imaginário. Ambas, ficaram famosas nas vozes de duas geniais intérpretes: Elis Regina e Maria Bethânia.

            Em 1976, Elis lançou seu décimo quarto álbum: Falso Brilhante. A faixa 5, Lado A, casou uma repercussão muito positiva à época. Pode-se dizer que virou atemporal e ainda segue bastante executada. De autoria dos compositores franceses Fermo Dante Marchetti e Maurice de Féraudy, é uma versão de Armando Louzada. Arrisco-me a dizer que a ouvi pela primeira vez antes dos cinco anos de idade, na casa de vovó Eutímia. Foi tema da novela O Casarão (1977).

            Entre os discos que faziam parte do acervo de Padinho Cláudio, um eu não cansava de ouvir e de apreciar, sobretudo pela beleza da capa. Refiro-me ao álbum Álibi (1978) de Maria Bethânia. Acredito que esteja entre os álbuns mais bem trabalhados e bonitos do cancioneiro brasileiro. O olhar cândido da cantora, ombros nus e colares descendo sobre o pescoço é uma linda cena de se vê. Além de Ronda, Explode Coração e Negue, o LP tem a canção Sonho Meu, do qual destaco dois trechos em especial para conduzirem o meu esforço de narrar algumas das minhas memórias em sonhos: 1) “ Sonho meu, sonho meu / Vá buscar quem mora longe / Sonho meu”; 2) “Vá mostrar essa saudade / Sonho meu / Com a sua liberdade / Sonho meu”. A canção é de autoria de Delcio Carvalho e de Ivone Lara.

            Quando eu estudava em Aracaju, certa noite, tive a impressão de sentir meu corpo descolar-se da alma e ficar a vagar pela casa de Tio Tonho e Dona Jovina. Ao chegar na sala onde ficava um sofá, uma cadeira de balanço e uma TV, o gato de meu tio, chamado Danilo, olhou pra mim de olhos arregalados e bastante assustado, com os pelos arrepiados. Prontamente, me acordei e fui à cozinha tomar água, no que me encontrei com o felino do mesmo jeito que o vi em sonho.

            Outras duas experiências, das muitas que já tive com o universo inconsciente dos sonhos, foram traumáticas e dolorosas. Passei um bom tempo sem saber como contá-las sem ser interrompido pela emoção e pelo choro.

            Padinho Cláudio, antes de seu falecimento no dia 11 de julho de 2005, teve dois AVCs. No primeiro deles, ficou internado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, com variações de consciência e inconsciência. Nós, os irmãos, nos reversávamos para lhe fazer companhia. A mim, coube a quinta-feira, dia 7 daquele mês e ano. Eu estava lendo o livro Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges (edição de 2004) e o levei para passar a noite, mas não tive sossego hora nenhuma. Padinho estava muito inquieto, foi uma noite muito tensa e movimentada até o dia amanhecer. Mas também o nosso último momento, juntos. Horas ele conversava com coordenação, horas não e ficava muito agitado. Foram muitas coisas compartilhadas naquela noite, algumas delas ele me pediu confidência. Teve delírios com a morte de um amigo (que acabou se concretizando como temia) e lamentava o falecimento de São João Paulo II (ocorrido no dia 2 de abril).

            Durante a madrugada, ele foi perdendo a voz e ficando cada vez mais agitado, que precisei da ajuda da enfermagem por várias vezes. Perto de amanhecer o dia, eu já estava esgotado de tanto levantá-lo e levá-lo para o banheiro. Até que perdi a paciência e dei-lhe um carão como os que ele me aplicava quando estava chateado comigo. Lembro que ele, sentado na cama, levantava os braços para colocá-los sobre meus ombros, mas eu já estava cansado daquele movimento, pois como não falava mais, ele usava o expediente para se erguer da cama. Foi quando lhe disse para ficar quieto, que ninguém aguentava mais, inclusive eu, esgotado e estressado da noite e madrugada toda. Ele se deitou (fez um som de reclamação e de desapontamento), virou-se em posição fetal para a parede e fechou os olhos, enfim se aquietando. Ao trocar o turno com Claudicleide, lhe pedi a bênção e beijei sua testa. Cheguei em casa arrasado! Morava com minha sogra à época, até nossa casa ficar pronta.

            Passados três dias após seu falecimento, sonhei com ele. Estava lindo, bem vestido e com seu cabelo impecavelmente penteado, como sempre. Me chamou para dar uma volta e me conduziu pelos corredores das salas do Colégio Laudelino Freire. Conversamos muito. Ele estava calmo e sereno. Era muito bom estar com ele ali. Aos poucos, fui notando que o ambiente onde estávamos não era mais uma escola, mas um lugar cheio de verde e de uma luz intensa e confortante. Num dado momento, ele colocou a mão sobre meu peito, me impedindo de seguir adiante. E me disse: “daqui, você não pode mais ir mais comigo. Antes de partir, venha aqui me dar aquele abraço que você me negou no hospital”. Ao abraçá-lo, senti uma paz profunda e acordei em prantos.

            Por fim, a terceira das experiências que escolhi para registrar nessa crônica em torno da temática sonho. O nosso segundo filho, se chamaria José Almeida Monteiro Neto. A gravidez transcorria normalmente, até Patrícia ter complicações e precisar ser acompanhada quase que diariamente. Ela perdia muito líquido amniótico e já não podia mais seguir com a gestação. Poucos dias de completar cinco meses, ela foi submetida a um parto induzido, pois se fizesse uma cesariana, ambos corriam risco de morte. O menino não resistiu à passagem e em razão dos pulmões não estarem preparados, veio a óbito.

            As cenas que se seguiram, eu as vivi em sonho, dois dias antes. No sonho, entrava por um corredor longo, amparado por duas mulheres, uma em cada lado, me segurando pelos braços. Fui conduzido a um lugar que tinha uma pequena porta. Numa espécie de dispensa, havia um embrulho de pano, que desembalei chorando, sem saber do que se tratava, pois acordei antes. Na vida real, após o falecimento de José Neto, doutora Angelita me aconselhou que a mãe não visse a criança. Assim, tive que tomar as providências.

            Duas de minhas três irmãs, não lembro exatamente quais delas, me acompanharam até o lugar onde ficava os natimortos. Até chegar ao local, atravessei um corredor, por onde minhas irmãs me amparavam. No lugar, havia uma dispensa muito parecida com a do sonho e lá estava ele, enrolado numa fralda (algo assim), no que desenrolei lentamente até vê-lo, como se estivesse dormindo, feições lindas, a boca da mãe. Eu o beijei várias vezes e o abençoei, lhe pedindo que nosso anjinho zelasse por nós do céu.  

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