Cassiano Celestino: “Publicar um livro sempre foi um sonho e uma realidade bem distante para mim”

12 de setembro de 2021 - 17:53, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

A entrevista da semana no Lagarto Notícias é com o professor, escritor e doutorando em História, Cassiano Celestino, natural de Simão Dias.

Portal Lagarto Notícias – Qual a trajetória de vida do professor Cassiano Celestino?

CC – Eu sou natural de Simão Dias, é o lugar em que morei e vivi toda a minha vida, pelo menos até sair para cursar a graduação em outra cidade. Sempre fui aluno de escola pública e faço questão de ressaltar isso em todo o lugar em que chego. Fiz todo o meu ensino fundamental na Escola Pedro Valadares, localizada na famosa Rua de Mário. Depois cursei todo o meu ensino médio no Centro de Excelência Dr. Milton Dortas. Em 2012 passei no vestibular da Universidade Federal de Sergipe e comecei a cursar licenciatura em História, após concluir a graduação em 2017 ingressei no mestrado em história em 2018 e atualmente sou doutorando, também em história, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador da Fundação de Amparo a Pesquisa do estado da Bahia (FAPESB). A minha caminhada sempre foi composta de aconchegos, afetos, encontros e desencontros, mas também cheia de lutas, como todas as outras histórias, todo mundo sempre trava uma batalha para conquistar alguma coisa nesta vida, e se você é de origem pobre a luta contra o sistema é ainda maior. Durante os caminhos que trilhei tive a sorte de contar com pessoas que sempre fizeram questão de me ajudar a conquistar meus sonhos, e isto inclui todos os meus professores do colegial, cada um com sua particularidade abriram caminhos para que eu chegasse até aqui. Meus professores sempre fizeram questão de me ensinar que a educação ainda é o caminho para a liberdade e emancipação. Obviamente que as oportunidades elas não são iguais para todo mundo e a Universidade ainda é um espaço para poucos, torço e luto para que um dia isto mude. Lembrando que a minha família foi fundamental neste caminho, sem eles nada disso seria possível. Minha mãe e irmãos sempre deram muito de si para mim, nem sempre é fácil se manter na universidade, e nem sempre tinha dinheiro para comprar meus livros, xerox e afins. Nunca tive muito, mas sempre fui grato com o pouco que tinha.

PLN – O senhor possui graduação em História, como surgiu o interesse pela área?

CC – Eu sempre gostei de ler, era uma criança que consumia muita leitura. Mas, o meu interesse em me profissionalizar na área de história surgiu na época do meu ensino fundamental quando eu me tornei aluno da professora Edjan Alencar. Eu amava as aulas de história que ela dava, era algo mágico. Ela me fazia viajar para todos os lugares do mundo com a leitura dos assuntos e com as explicações em sala de aula. Foi ela a responsável em me fazer tornar-se professor. Muito do que sou hoje enquanto professor e historiador vêm dela. É importante ressaltar que eu nem sempre tive condições de comprar livros, no nosso país ainda é um artigo pouco acessível às camadas pobres da população. E era Edjan Alencar quem sempre me presenteava com livros de história que foram fundamentais para a minha formação e para o amor pela área. Ressalto que a educação e a leitura histórica são os caminhos possíveis na luta contra a barbárie em que se encontra o nosso país.

PLN – Recentemente, o senhor lançou o seu primeiro livro, quando surgiu a ideia da obra e quem lhe suporteou na construção?

CC – Publicar um livro sempre foi um sonho e uma realidade bem distante para mim, que sempre estudei em escola pública e nunca tive condições financeiras para poder bancar todo o custo de publicação. A obra que está sendo lançada por mim é fruto da minha dissertação de mestrado em história desenvolvida na UFS, orientada pelo professor Bruno Alvaro e financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O livro nada mais é do que a minha dissertação sendo publicada em um formato diferente. Para a concretização deste sonho contei com a ajuda do Governo do Estado de Sergipe que possibilitou com que a obra fosse publicada pela Editora Oficial do Estado de Sergipe, a EDISE. Acredito que publicar um livro é um sonho de qualquer pesquisador que compreenda a importância e significado que isto tem. Além disso, minha pesquisa teve um investimento de dinheiro público, fui bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e acho importante mostrar publicamente o resultado deste financiamento, principalmente nos dias atuais. É preciso ultrapassar os muros da universidade e estabelecer um diálogo constante com a comunidade, evidenciando o tipo de “balbúrdia” que estamos produzindo e a importância que eles possuem.

PLN – E a escolha da temática?

CC – Eu sempre costumo afirmar que a minha pesquisa é uma extensão ou uma continuidade do meu “eu”, da minha subjetividade ou, melhor dizendo, é meu corpo sem órgão, meu corpo território. A História sempre é feita a partir de um lugar e é fruto das inquietações da época em que é escrita. É dentro desta relação tempo/espaço que insiro a minha pesquisa. Ela fala a partir de um lugar específico, com o olhar voltado para o passado, mas preocupado com o tempo presente. Temos vivido em nosso país grandes tentativas de retrocesso no que diz respeito às temáticas de corpo, gênero e sexualidades. Corpos (e também pesquisas) que se desviam das normas-modelos-padrões estabelecidos, legitimados e constantemente reforçados como o “correto”, tem sido permanentemente alvo de perseguições. O interesse em pesquisar tal temática é resultado das inquietações que foram surgindo do ambiente na qual estou imerso, das várias relações de poder que tentam nos aprisionar e marginalizar. A ideia é questionar as normatizações e torcer o nosso olhar para pensar sujeitos que fogem às normas. Ao falar da Sodomia na Idade Média estou escrevendo sobre mim e sobre muitos outros sujeitos que são tidos como desviantes e colocados numa posição de abjetos. Nunca foi uma tarefa fácil, mas sempre contei com o apoio de diversos amigos e principalmente dos meus professores, na época do mestrado, no programa de pós-graduação em História da UFS.

PLN – Como foi para Cassiano Celestino deixar de ver a escrita como um hobby e passar a vê-la como um trabalho?

CC – Eu nunca tive a escrita como um hobby, sempre escrevi textos científicos e acadêmicos. Tudo o que produzi até hoje foram frutos de pesquisa desenvolvida na graduação e pós-graduação. Ter a escrita como uma nova fonte de trabalho e renda ainda é uma coisa muito nova para mim, confesso que estou me acostumando com isto. Mas o objetivo sempre fui ultrapassar os muros da universidade e mostrar para a toda a comunidade o que se produz de conhecimento na academia. Sempre busco estabelecer este diálogo que é muito promissor.

PLN – Foi difícil chegar até uma editora e publicar seu primeiro livro?

CC – Eu tive o privilégio de contar com a ajuda de muita gente para a concretização deste sonho. Principalmente do Governo do Estado. A EDISE é uma das melhores editoras que temos em terras sergipanas e é nosso patrimônio. Sou muito grato a todos que a compõem. Aos meninos da edição: Yuri, Clara e Catarina. À Assessora de comunicação que tem feito um trabalho belíssimo na divulgação: Cândida Oliveira. Ao gerente da editora: Jeferson Melo e ao diretor industrial Seu Milton Alves, além do presidente, obviamente.

PLN – Já está pensando em algum tema para explorar no próximo trabalho? E quais projetos futuros?

CC – Atualmente, no doutorado, eu tenho dado continuidade aos temas de pesquisa que comecei na dissertação, numa perspectiva mais ampla. Nesta fase, tenho me dedicado a pensar as diversas configurações ou performances de masculinidades que eram possíveis e legitimadas no período medieval e início da modernidade. Por ora, a única coisa que quero e tenho me proposto a fazer é terminar meu doutorado e, quem sabe, publicar meu segundo livro. Torcendo por isto.

PLN – E com relação a outros autores? O que anda lendo?

CC – Infelizmente a rotina do doutorado não tem me deixado explorar outras leituras e outros autores que não compõem a pesquisa. Atualmente, tenho lido muito os filósofos Michel Focault, Gilles Deleuze, Judith Butler. Também tenho lido obras publicadas de alguns medievalistas brasileiros, como o Leandro Rust, Renata Nascimento, Marcelo Lima. E ao dormir, porque não sou de ferro, dou umas paginadas no meu novo autor predileto de literatura: Fernando Pessoa, tenho amado conhecer suas poesias e poemas.

PLN – Com relação a crise sanitária existente, como Cassiano Celestino analisa o atual cenário educacional no país?

CC – Infelizmente, as questões da educação estão sendo tratadas com base no gerencialismo e orientadas pela lógica mercantilista que faz da educação mera mercadoria. Trata-se da implantação de um modelo de desenvolvimento político, econômico e humano pautado nos princípios do capital humano. Nesses termos, as reformas educacionais que foram e vêm sendo implantadas mostram que o modelo educacional brasileiro está sendo ajustado aos interesses e às exigências de um mercado global, em prejuízo tanto da realidade nacional, com suas prerrogativas econômico-sociais, quanto dos ideais pedagógicos de formação humana. Desde a posse do atual (des)governo do Brasil, a comunidade científica tem sofrido inúmeros ataques sistemáticos. Enquanto pesquisadoras/es, temos sofrido na pele a descontinuidade de nossos projetos de pesquisas e a perda de apoio financeiro na pós-graduação com os cortes de bolsas. Para agravar ainda mais a situação, somos interpelados/as com acusações de “balbúrdia” nas Universidades. No entanto, sabemos que nos campi universitários são produzidos conhecimentos indispensáveis para o bem-estar social.

PLN – Qual a sua avaliação no tocante ao pós-pandemia no Brasil e no mundo?

CC – Todos nós precisamos entender que uma pandemia não é simplesmente resultado de um poderoso agente biológico contagioso, mas que é também resultado de leis, decretos, anúncios e está diretamente relacionada com a capacidade política e científica de coordenação e gestão de fenômenos e populações. Não foi a pandemia que trouxe as desigualdades sociais, a violência doméstica contra mulheres e LGBTQIA+, a fome, o desemprego, a alta da inflação e etc, foram agravadas por ela. A pandemia agravou e mostrou os problemas sociais nas quais estamos inseridos, muitos dos quais resultados de uma péssima gestão em que estamos vivendo no Brasil. Sabemos que a vida não será a mesma depois que tudo isso passar, no entanto, sabemos do que todos os brasileiros pobres, periféricos e sem condições de compra precisam: emprego, moradia, saúde e educação de qualidade além, principalmente, de comida na mesa.

PLN – Qual mensagem o professor Cassiano Celestino deixa para à população nesse momento crítico em que estamos vivendo?

CC – Além de desejar uma ótima qualidade de vida para todos nós. Eu desejo que todos tenhamos coragem e que continuemos reexistindo, transformando luto em luta, porque cedo ou mais tarde a primavera há de chegar. E sem querer romantizar a precariedade da vida humana, desejo que as políticas públicas de qualidade cheguem e se tornem acessíveis para todos. Que a gente volte a sorrir e se orgulhar de ser brasileiro, com comida na mesa, com emprego para todos e sem se preocupar com a miséria que insiste em bater nas nossas portas.

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