Lucas Santos Silva: “Para o pesquisador em formação, encontrar parceiros e órgãos públicos que incentivem publicações é de extrema importância”

5 de dezembro de 2021 - 17:14, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

A entrevista da semana no Lagarto Notícias é com Lucas Santos Silva, Gestor Cultural de Riachão do Dantas, integrante da Equipe da Feira Científica de Sergipe e Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Portal Lagarto Notícias – Qual a trajetória de vida do Mestre em Letras, Lucas Santos Silva?

Eu nasci em 1997, na Bahia. Sou o filho mais novo de pais que vieram de outros relacionamentos: meu pai teve 05 filhos e minha mãe, 02. Sou de um berço cristão católico. Na igreja, quando criança, fui coroinha e participei de outros movimentos. Por estar em uma família de músicos, ainda quando criança, ingressei na Filarmônica Lira Nossa Senhora do Amparo, e, posteriormente, em aulas de violino e violão. Na adolescência, iniciei nas aulas de teclado eletrônico. Por outro lado, para além dos conhecimentos musicais, sempre fui incentivado à leitura. Frequentava muito a Biblioteca Municipal de Riachão do Dantas. A noção de primeiro livro que eu li foi “O segredo da Casa Amarela”, de Giselda Laporta Nicolelis. Lembro, também, que um dos presentes que pedi aos meus pais, na adolescência, foi assinatura da Revista Veja. Se, por um lado, era um excelente aluno para as áreas de linguagens e ciências humanas, por outro, era uma decadência para a área de exatas. Eu era aprovado em física, química, matemática, mas sempre depois das recuperações. Minhas notas para exatas eram péssimas, apesar de ter excelentes professores com os quais mantenho contato até hoje.

PLN – O senhor possui graduação em Letras, como surgiu o interesse pela área?

Surgiu justamente pela familiaridade com a área durante a educação básica. Minhas opções de cursos eram: Jornalismo, Biblioteconomia ou Letras. O meu 2º ano do ensino médio foi fundamental para essa escolha. Nas aulas de literatura brasileira, com a Profa. Edleide Santo, discutíamos textos do Machado de Assis, José de Alencar, Castro Alves, Joaquim Manuel Macedo. Certa vez, a profa Edleide passou uma apresentação de seminário acerca de um dos textos de José de Alencar. Pelo meu espírito de competitividade, queria que minha equipe realizasse “a melhor” apresentação da turma. Tarefa muito difícil. Meus outros colegas da turma também eram esforçados e excelentes. Tiramos 10. O processo de realização desse seminário, atrelado ao incentivo que sempre tive à leitura, foi muito importante para minha escolha. No entanto, como nem tudo são flores, no 3º ano, fui convidado para apresentar o Catálogo de Cursos da UFS aos meus colegas de turma. Assim fiz. Durante a apresentação, a professora da turma me perguntou qual curso deveria fazer. Prontamente, respondi que Letras. Ela me olhou com desdém e disse: “você vai usar sua inteligência para fazer Letras?”. A situação foi tão indelicada e chata que não sabia o que dizer, nem o que fazer. Acho que a primeira lembrança de crise existencial que eu tive. Depois disso, fui fazer vários testes vocacionais e o fantasma da pergunta “o que vou fazer da minha vida?” sempre me rodeava. Eu tinha 16 anos, e muito imaturo ainda. Era muito cedo para eu tomar decisões importantes para uma vida. Nós somos cobrados desde muito cedo com a pergunta “o que você quer ser quando crescer?”, e isso, às vezes, se torna prejudicial para nossas vidas. As escolas, às vezes, exaltam os alunos aprovados para uma Faculdade e Universidades com faixas e cartazes, e esquecem-se daqueles que abrem um negócio ou entram no mercado de trabalho, por exemplo. Eu, particularmente, não queria ficar no campo do esquecimento. Mas enfim… Quando fiz o ENEM, escolhi o que sempre quis fazer, escolhi fazer Letras. Fui aprovado para o curso noturno de Letras Vernáculas, da Universidade Federal de Sergipe, e não me arrependo da escolha.

PLN – Como é ser integrante da Equipe da Feira Científica de Sergipe, bem como membro e integrar grupos de estudos e projetos em Sergipe?

Quando eu ingressei na Universidade, eu tinha uma visão completamente diferente do ambiente acadêmico. No meu terceiro período do curso, depois de muita insistência, ingressei no Projeto “CTI-EB Desenvolvimento de Tecnologias Sociais para Formalização e Ressignificação de Práticas Culturais em Aracaju/SE financiado pelo edital Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia na Educação Básica (CTI-EB) CAPES/FAPITEC/SE 05/2014)”. Uma das tarefas do projeto, era ser monitor da Feira Científica de Sergipe (CIENART). Eu não tinha noção do que era a Feira nem da abrangência territorial dos projetos. A CIENART é uma ação da Universidade Federal de Sergipe que incentiva o desenvolvimento de projetos científicos para alunos da educação básica (ensino fundamental, médio e técnico). A lógica é a seguinte: professores e alunos desenvolvem projetos científicos nas escolas, e durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro, esses projetos são apresentados na UFS. Eu, menino de interior, com 17 anos, nunca presenciei tanta gente em um único lugar falando de ciência, tecnologia e artes. Confesso que fiquei espantado e, ao mesmo tempo, encantado com o tamanho da feira. Nos anos posteriores, fui escalado para equipe técnica da feira (fazia registros fotográficos e vídeos da Cienart).Nos anos posteriores, fui convidado a integrar a equipe executiva da Feira e, atualmente, junto com professores dos departamentos de Química, Física, Letras, desenvolvemos ações de popularização da ciência na educação básica. Paralelamente às ações da Cienart, também sou do Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e Sociedade, que é liderado pela Profa Dra. Raquel Freitag e Profa. Dra. Leilane Silva. No grupo, desenvolvemos pesquisas com foco na língua em uso e sua relação com o contexto social. A minha integração ao Gelins foi muito importante para a formação profissional e para o desenvolvimento do projeto de mestrado.

PLN – Quando assumiu a função de Assessor Especial de Cultura da Secretaria de Cultura de Riachão do Dantas e quais projetos a pasta tem desenvolvido nesse período?

Eu resisti muito para assumir essa função. Confesso que nunca esteve nos meus planos. Meus planos pessoais são outros. Depois de muitas conversas e reflexões, pensei em dar um retorno para a minha comunidade com o meu trabalho. Inicialmente, eu precisava conhecer o público com o qual eu iria trabalhar: artistas (músicos, artesãos…). Por isso, desenvolvemos um mapeamento de todos os artistas de todas as comunidades de Riachão do Dantas. Cadastramos e reconhecemos 340 artistas. Com a publicação da Lei Aldir Blanc, de incentivo ao setor cultural, nós pensamos em editais de premiação que favorecessem tanto os artistas quanto à comunidade riachãoense. Por isso, desenvolvemos ações como Lives com apresentações Culturais, Exposições de artesanatos e cursos formativos para a comunidade. Tivemos cursos de bordado, teatro, culinária, dança afro-brasileira entre outros. Esses cursos foram ministrados pelos próprios artistas. Atualmente, o nosso foco está em incentivar a exportação do artesanato riachãoense, sobretudo da Comunidade Quilombola Forras, para outras cidades e estados, além do incentivo à continuidade dos grupos folclóricos, a exemplo da Banda de Pífanos e Dança de São Gonçalo. Estamos também em processo de reforma do prédio da antiga prefeitura, situada ao lado da Igreja Matriz. O prédio será transformado em Memorial Cultural, com a função de resguardar a memória e a identidade do povo riachãoense. Na biblioteca municipal, estamos concorrendo ao Projeto Biblioteca Virtual e em processo de elaboração da Academia Riachãoense de Letras.

PLN – O senhor lançou o seu primeiro livro intitulado “Análise acústica ou de oitiva? Contribuições para o estudo da palatalização em Sergipe”, como descreveria a obra?

Eu atuo na área da Sociolinguística, que busca a relação entre língua e sociedade. A língua é variável. Não falamos como os nossos avós falavam, nem a geração subsequente a nossa falará como nós falamos. Com o tempo, a língua muda. É um processo natural. No livro, discuto métodos de análise para um processo de mudança linguística que vem chamando a atenção de diversos linguistas aqui no estado de Sergipe: é o que chamamos tecnicamente de palatalização, a exemplo de realizações como “pentxe” “txia”, “partxe”. No livro, discuto técnicas de análise da fala, além dos fatores sociais que condicionam esse processo de mudança, e, principalmente, o papel da Universidade Federal de Sergipe e a inserção de universitários ao ambiente acadêmico como fator primordial para a mudança linguística. Mudanças sociais provocam mudanças linguísticas. No livro, busco responder algumas perguntas, dentre as quais cito: por que falantes do estado de Sergipe passam por mudanças linguísticas? Qual a influência da Universidade Federal de Sergipe na emergência de novas formas e usos linguísticos de universitários? Os processos fonológicos da fala espontânea podem ser transpostos para a leitura em voz alta? A leitura em voz alta é realizada da maneira como falamos? Há relação dessas novas formas palatalizadas com a escolaridade, sexo/gênero e tempo no curso do falante? O espraiamento da mudança com a palatalização emerge inicialmente nos falantes da capital ou do interior sergipano? Como os recursos tecnológicos e os programas para análise da fala podem subsidiar a descrição do fenômeno na comunidade sergipana. Para responder a esses questionamentos, advogo no campo da Sociofonética, que põe no limiar as áreas da Sociolinguística e da Fonética, através de uma análise acústica da palatalização.

PLN – A princípio o livro foi lançando gratuitamente nas plataformas digitais, quando será o lançamento oficial, edição impressa, para o público?

Por ser um livro incentivado pela Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe – FUNCAP, estou aguardando o chamado da Fundação para a cerimônia de lançamento junto a outros autores que também tiveram suas obras publicadas. A versão impressa já está sob meu domínio. Os livros serão distribuídos gratuitamente para as bibliotecas e escolas de Riachão do Dantas e para as pessoas que tiverem interesse na temática.

PLN – Quais as dificuldades encontradas para poder lançar o livro e quais parceiros e incentivos o senhor teve nessa jornada?

Pandemia. Não se trata apenas da publicação ou lançamento. Esse é o resultado final de um processo árduo de pesquisa de mestrado, que não é fácil em “termos normais”, imagina em tempos pandêmicos. Eu sempre fiz pesquisa com meus professores e amigos. Antes da pandemia, alguns dias, eu chegava ao laboratório de pesquisa na UFS às 06h30 e saia às 22h30 e tinha maior gosto e energia em desenvolver o trabalho. Com a crise política, isolamento social e pela restrição em casa, confesso que, por um momento, eu tive muita vontade de desistir de tudo. Era eu, o computador, os dados, os livros e os amigos à distância (por uma tela). Era tudo muito artificial e desanimador. Para mim, com tantos amigos, parentes e conhecidos falecendo, escrever e estudar já não fazia mais sentido. Entrei em um estado de negação que só sai depois de muita ajuda e compreensão dos meus amigos e, sobretudo, dos meus orientadores. O edital de publicação do livro pela Funcap foi mais um incentivo muito importante tanto para a pesquisa, mas, principalmente, para mim. Para o pesquisador em formação, encontrar parceiros e órgãos públicos que incentivem publicações é de extrema importância. Sozinho, ninguém faz pesquisa, precisamos de parceiros. Tenho plena certeza de que muitas pesquisas, contos, romances de sergipanos, que estavam engavetados por muito tempo, chegarão ao público e ao conhecimento de todos, justamente por este incentivo.

PLN – Foi difícil chegar até uma editora e publicar seu primeiro livro?

Sim e não. Na verdade, apesar de já escrever e publicar artigos em revistas desde 2017, o processo de publicação de livro é completamente diferente. No início, estava um pouco perdido, confesso. Busquei algumas editoras de outros estados, fiz orçamentos com diversas. Para mim, a mais acessível em termos de recursos humanos foi a Editora Criação, do estado de Sergipe. A equipe é muito solícita e fiquei muito feliz ao saber do interesse da editora na publicação.

PLN – Lucas Santos Silva pensa em algum tema para explorar no próximo trabalho? E quais projetos futuros?

Sim. Eu agora estou em processo de seleção para o doutorado. Pretendo dar continuidade às pesquisas acerca de descrição e percepção de Falares Sergipanos, explorando outros fenômenos da fala e outras técnicas de abordagens, que podem contribuir também para a compreensão e descrição da nossa identidade cultural que também se manifesta linguisticamente.

PLN – O senhor é um leitor assíduo? Qual livro lê atualmente?

Eu acho que sim… Estou lendo outras coisas para além da minha área de atuação. Atualmente, estou relendo os livros de Antônio Carlos Viana, que é um escritor sergipano.

PLN – Com relação à crise na área da saúde, na sua concepção como será o pós-pandemia no Brasil e no mundo. A pandemia poderá retornar com mais força através das variantes?

Tudo ainda é muito imprevisível e ainda não podemos mensurar o estrago que esse período fez na humanidade. Eu me ponho em meu lugar, e gosto de ouvir os que têm mais experiências e legitimidade para abordar o assunto (cientistas, infectologistas…). Por isso, ter cuidado, ter cautela e saber escutar são ações importantes para resguardar as nossas vidas diante dessas novas variantes. Já pagamos um preço muito caro com muitas mortes. Espero que essa dívida não seja cobrada novamente.

PLN – Como Lucas Santos Silva analisa o atual cenário educacional no país atualmente?

Eu vou abordar a partir de minha realidade. Nós fomos forçados a um processo de mudança muito abrupto do ensino presencial para o ensino remoto. São métodos completamente diferentes. Os alunos da educação infantil, do ensino fundamental, do ensino médio e superior foram prejudicados de alguma forma. Se formos para esfera pública, os alunos foram bem mais prejudicados. Por exemplo, na minha comunidade, discutimos logo no início da pandemia métodos de ensino remoto. Eu, na minha ignorância e idealizações, sugeri o ensino remoto como alternativa educacional. Para mim, e para a minha realidade seria uma alternativa viável. Mas não. A realidade é completamente diferente: alunos que não têm acesso à internet, computador e celular em suas comunidades; professores que ainda têm muitas limitações nos usos das novas tecnologias; falta de recursos financeiros para essa demanda; entre outros problemas. Mudando de escopo, as pesquisas desenvolvidas em laboratórios no âmbito dos programas de pós-graduação também foram prejudicadas, a minha foi um exemplo disso. E prejudicadas não apenas pela pandemia, mas, principalmente, pelos constantes cortes de investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação pelo Governo Federal.

PLN – Qual mensagem de otimismo o senhor deixa para à população nesse momento de incertezas?

Precisamos ter forças para enfrentar as adversidades da vida. Na vida, não temos certeza de nada. Nada. Por isso, saber aproveitar cada minuto é importante. É preciso saber celebrar o heroísmo de cada dia vencido. O nosso tempo é o agora.

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