A MANIÇOBA COMO MARCO IDENTITÁRIO DA CULTURA LAGARTENSE

1 de fevereiro de 2022 - 11:46, por Claudefranklin Monteiro

Por iniciativa da deputada estadual Goretti Reis, uma das iguarias mais apreciadas dos lagartenses foi reconhecida como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Sergipe, como desdobramento da aprovação do Projeto de Lei (PL) N° 324 de 21 de dezembro de 2021 de sua autoria. Trata-se da maniçoba, conhecida como prático típico da cidade de Lagarto, mas que tem origens para além das fronteiras do Município e que já se distancia no tempo. Entretanto, isto não invalida a causa, por si só justa e bem-vinda, conforme saliento em análise histórica a seguir.

Certa feita, afirmei publicamente, sem pestanejar, que a maniçoba não era genuinamente lagartense, para surpresa dos presentes, inclusive de meu amigo, o poeta Assuero Cardoso Barbosa. Entretanto, fiz a afirmação sem desmerecer a ideia de que a deliciosa comida não deixasse de ser usada como marco identitário para a nossa cultura. Afinal, a julgar pelas reflexões de Jorge Amado: o que é, na cultura brasileira, realmente genuíno.

Ora, nesse sentido, reitero o interesse de todos que a maniçoba seja, de fato, marcante na culinária sergipana, notadamente de Lagarto, mas faz-se necessário dizer o porquê por exemplo, de esta em particular se diferenciar da que é feita no Pará, por exemplo, ou no interior da Bahia. Assim, nem sempre é o caráter de genuinidade que dá identidade a um povo, mas também a sua particularidade. Nesse caso, trata-se do tipo de maniçoba toda ela, tipicamente, lagartense, ou modo dos lagartenses, o que lhe confere singularidade e representatividade, outros aspectos levados em consideração na patrimonialização de um bem cultural, nesse caso a um “saber fazer”.

A fala da deputada Goretti Reis, em si, já traz elementos semânticos que referendam essa tese que irei deslindar mais adiante, tendo como aporte discursivo a história e também a memória. Para Reis: “Nossa maniçoba é feita com a maniva, folha da mandioca que é fervida durante aproximadamente por sete dias e incorporada à alimentação da população do progressivo município de Lagarto. Uma deliciosa tradição é degustar a maniçoba nos finais de semana em momentos especiais entre parentes e amigos, que se reúnem em torno da mesa em que a iguaria é o prato principal. Reconhecer esta iguaria como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Sergipe transcende ao valor econômico, valoriza a prática da gastronomia e do consumo” (22 de dezembro de 2021).

Em 2017, pesquisadores a Universidade Federal de Sergipe, por ocasião do 3º Congresso Internacional de Atividades Físicas, Nutrição e Saúde, realizado pela Universidade Tiradentes, apresentaram o resultado de um estudo com a população lagartense, numa faixa etária superior a 18 anos, selecionadas aleatoriamente, num total de 383 questionários, tendo como interesse científico saber o consumo daquela amostra no que se refere preparações típicas salgada e doce. Liliane Oliveira Santos, Milene de Abreu Souza, Isaura Virgínia Reis Menezes Valença e Bárbara Melo Santos do Nascimento verificaram que 27,4% dos entrevistados marcaram a maniçoba, entre os alimentos salgados.

 Alguns estudos demonstram que a deliciosa iguaria, de origem indígena, teria chegado a Lagarto por volta do final do século XIX, certamente vinda da região norte do país, de modo particular do Estado do Pará (origem) ou da Região de Feira de Santana, Recôncavo Baiano. Essa incógnita da vinda da Maniçoba para Lagarto tem despertado a curiosidade dos estudiosos, especialmente na área de história. A julgar pelo que já foi escrito sobre a História de Lagarto, o prato naturalizou-se lagartense por importação, certamente no comércio interprovincial de escravos ou até mesmo de uma iniciativa particular.

Para além de ser conhecida como alimento, é importante dizer que a maniçoba foi utilizada para a extração da borracha, notadamente entre o final do século XIX e início do século XX. O médico lagartense, Theodureto Archanjo do Nascimento, nascido no dia 16 de setembro de 1886, foi um dos poucos a deixar um estudo formal sobre a Cultura da maniçoba, em 1899, a pedido do Sr. Martinho Garcez. Infelizmente, eu ainda não tive acesso a esta obra, que poderia ajudar os pesquisadores no sentido de sistematizar mais informações sobre a maniçoba. A pesquisa foi intitulada de “Cultura da Maniçoba. Histórico, plantio, preparo da borracha, importância comercial do produto e valor da cultura em paralelo com as do café, algodão e açúcar”. Ao que consta, publicada no Rio de Janeiro, constando de 53 páginas.

Sobre a extração de borracha de maniçoba, destaco a tese de Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe de autoria de Fabrícia Oliveira dos Santos (2012): A “REVISTA AGRÍCOLA, ÓRGÃO DA SOCIEDADE SERGIPANA DE AGRICULTURA” E A ESTRATÉGIA DA PRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO CAMPO EM SERGIPE, 1905-1908: “por em comum as ‘luzes’ e experiências“, sob a orientação da Profa. Dra. Alexandrina Luz Conceição.

Nesta pesquisa, Fabrícia Oliveira dos Santos apresenta o médico Theodureto Archanjo do Nascimento e o senhor Antonio Martins de Goes Fontes como os maiores cultivadores e incentivadores da borracha de maniçoba, por volta do ano de 1905. Fundador da Sociedade Sergipana de Agricultura, Dr. Theodureto, embora residente em Lagarto e tendo feito diversas viagens pela Europa, era proprietário de uma fazenda, Santo Antônio, no Município de Itaporanga, se apresentando além de pesquisador, também experimentador e propagador de seus resultados econômicos

O levantamento que fiz sobre o assunto, destaca ainda como a maniçoba está entre os produtos da cultura da mandioca. Nesse sentido, em 2012, estudantes do Curso de Edificações do Instituto Federal de Educação (Campus Lagarto) – Keise de Jesus Fraga, Lucas Araújo dos Santos, Tauane Barbosa dos Santos, Homero Gomes de Andrade – publicaram nos Anais do VII Congresso Norte e Nordeste de Pesquisas e Inovação, realizado em Palmas-Tocantins, entre 19 e 21 de outubro, um estudo sobre o Festival da Mandioca em Lagarto-SE, onde a maniçoba figura com destaque.

Segundo Sheila Silva Lisbôa e José Espínola da Silva Jr., em “Identidades, memórias saberes da culinária sergipana” (2019): “A maniçoba, prato preparado à base de folhas da mandioca (maniva), era consumida pelos indígenas e sofreu influência dos colonizadores brancos que lhe acrescentaram defumados. Seu preparo leva média de seis dias, tempo necessário para eliminar as toxinas das folhas. Prato típico presente em Estância (Sul Sergipano), Lagarto e Simão Dias (Centro Sul Sergipano)” (p. 15).

Uma fala do historiador Floriano Fonseca, muito pertinente, além da maniçoba estar entre os elementos definidores da identidade cultural sergipana. Vale destacar, também, nessa passagem de “Febres e Fraudes na Vila do Lagarto”, a importância de lutar para fazer valer o legado de nossa gente, a exemplo de iniciativas como esta que vimos dissertando ao longo do presente texto sobre as origens lagartenses da iguaria mais desejada e apreciada dos lagartenses:

Se a geração atual já não se reconhece na alcunha de papa-jaca, no cheiro do mel de fumo e no aroma da maniçoba, cabe aos que ainda guardam esse sentimento não deixar esquecer o legado de gerações passadas, que viveram numa terra em que a peste não destrói por completo os sonhos e em que a bravura da gente se constrói cada dia, ainda que as intempéries os ponham à prova sem descanso. (FONSECA, 2015, p. 98)

Fontes e referências:

FONSECA, Floriano Santos. Febres e Fraudes na Vila do Lagarto: Apontamentos para o estudo da história de Lagarto. Infographics, 2015.

Fraga, Keise de Jesus, Santos, Lucas Araújo dos, Santos, Tauane Barbosa dos, Andrade, Homero Gomes de. Festival da Mandioca em Lagarto/SE: Da preservação patrimonial, economia e sustentabilidade. In: Anais do VII Congresso Norte e Nordeste de Pesquisas e Inovação, realizado em Palmas-Tocantins, entre 19 e 21 de outubro de 2012.

LISBÔA, Sheila Silva Identidade, memória e sabores da culinária sergipana. Aracaju: IFS, 2019.

Santos, Fabrícia Oliveira dos. A “REVISTA AGRÍCOLA, ÓRGÃO DA SOCIEDADE SERGIPANA DE AGRICULTURA” E A ESTRATÉGIA DA PRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO CAMPO EM SERGIPE, 1905-1908: “por em comum as ‘luzes’ e experiências”. Tese de Doutorado em Geografia. Universidade Federal de Sergipe. 2012.

________________. A REVISTA AGRÍCOLA, e “visionário” Theodoreto Nascimento: “homem de lettras e distincto scientista. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº 43, pp. 277-300. 2013.

Santos, Liliane Oliveira, Souza, Milene de Abreu, Valença, Isaura Virgínia Reis Menezes e Nascimento, Bárbara Melo Santos do. PREPARAÇÕES TÍPICAS LAGARTENSE: UM RELATO SOBRE SUA GASTRONOMIA. In: Anais do 3º Congresso Internacional de Atividades Físicas, Nutrição e Saúde. Universidade Tiradentes, 2017.

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